O Canto
IV de Os Lusíadas:
94
Mas um
velho, de aspecto venerando,
Que
ficava nas praias, entre a gente,
Postos
em nós os olhos, meneando
Três
vezes a cabeça, descontente,
A voz
pesada um pouco alevantando,
Que
nós no mar ouvimos claramente,
C'um
saber só de experiências feito,
Tais
palavras tirou do experto peito:
95
—
"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta
vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó
fraudulento gosto, que se atiça
C'uma
aura popular, que honra se chama!
Que
castigo tamanho e que justiça
Fazes
no peito vão que muito te ama!
Que
mortes, que perigos, que tormentas,
Que
crueldades neles experimentas!
96
—
"Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte
de desamparos e adultérios,
Sagaz
consumidora conhecida
De
fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te
ilustre, chamam-te subida,
Sendo
digna de infames vitupérios;
Chamam-te
Fama e Glória soberana,
Nomes
com quem o povo néscio se engana!
97
—
"A que novos desastres determinas
De
levar estes reinos e esta gente?
Que
perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo
dalgum nome proeminente?
Que
promessas de reinos, e de minas
D'ouro,
que lhe farás tão facilmente?
Que
famas lhe prometerás? que histórias?
Que
triunfos, que palmas, que vitórias?