«A desolação espiritual faz-nos sentir como se tivéssemos a alma esmagada, que não quer viver. "Melhor é a morte!", é a revolta de Job; é melhor morrer do que viver assim (...). A liturgia de hoje faz-nos ver como é preciso comportar-se com esta desolação espiritual, quando estamos mornos, abatidos, sem esperança. Uma ajuda vem do salmo responsorial: "Chegue a ti a minha oração, Senhor". Portanto a primeira coisa a fazer é rezar. Oração forte, forte, forte (...). O Salmo 87 (88) que recitámos juntos ensina-nos como rezar no momento da desolação espiritual, da escuridão interior, quando as coisas não vão bem e a tristeza entra muito forte no coração. "Senhor, Deus da minha salvação, diante de ti grito dia e noite": as palavras são fortes! (...) Em suma, é uma oração que consiste em bater à porta, mas com força: "Senhor, estou cheio de desgraças. A minha vida está à beira dos infernos. Sou contado entre aqueles que descem à cova, sou como um homem já sem forças". (...) Diante de uma pessoa que está nesta situação, as palavras podem fazer mal. É preciso apenas tocá-la, estar próximo, de modo que sinta a proximidade, e dizer aquilo que ela pergunta, mas não fazer discursos. (...) Qundo uma pessoa sofre, quando está na desolação espiritual, deve falar-se o menos possível e deve-se ajudar com o silêncio, a proximidade, as carícias, a sua oração diante do Pai. (...) O Senhor nos ajude: primeiro, a reconhecer em nós os momentos da desolação espiritual, quando estamos na escuridão, sem esperança, e perguntarmo-nos por quê; segundo, a rezar como ensina a liturgia de hoje; terceiro, quando me aproximo de uma pessoa que sofre, seja por uma doença ou por qualquer outra circunstância, mas que está na desolação: fazer silêncio. Um silêncio com muito amor, proximidade, carícias. E não fazer discursos que não ajudam, mas fazem mal» (meditação matutina na capela da Casa de Santa Marta, 27.9.2016).
Avançando nos anos e navegando no mar da vida, a todos é dado conhecer tempestades e naufrágios. Então é espontaneamente que dizemos, como fizeram os discípulos: "Senhor, porque dormes? Não te importa que eu pereça? Onde estás? Porque te calas?" (cf. Salmo 44, 24; Marcos 4, 38 e paralelos). Mas também se na linguagem de uma relação amorosa usamos estas expressões, que talvez se aproximem da blasfémia, não podemos pensar que Deus tenha a possibilidade de interromper o seu amor, de fechar para sempre uma relação, de ver o ser humano sofrer e compadecer-se disto. O amor de Deus não é merecido, e nenhum de nós pode pensar ter em si próprio um amor que Deus nega, detesta ou não vê, porque o seu amor é maior que o nosso coração e que o nosso amor (cf. 1 João 3, 20).Agrada-me concluir estas minhas reflexões citando um famoso texto anónimo: «Sonhei que caminhava à beira-mar com o meu Senhor e revia no ecrã do céu todos os dias da minha vida passada. E por cada dia passado apareciam na areia quatro pegadas, a minha e a do Senhor. Mas em alguns trechos do caminho vi só duas pegadas, precisamente nos dias mais difíceis da minha vida. Então disse: "Senhor, eu escolhi viver contigo e tu prometeste-me que estarias sempre comigo. Porque é que me deixaste só precisamente nos momentos mais difíceis?". E Ele respondeu-me: "Filho, tu sabes que te amo e nunca te abandonei: os dias em que vês apenas duas pegadas na areia são precisamente aqueles em que te levei ao colo"».
Sim, o Senhor abre sempre para nós o caminho e precisamente nas horas mais obscuras é Ele que nos leva ao colo!