A Bíblia fala sempre da vida humana, e nela encontramos inúmeras referências à questão da sombra ou do lado obscuro em nossa vida. As parábolas de Jesus desvelam o que somos, e o que acontece em nosso interior. Todos os personagens que aparecem nos pertencem. As parábolas são tremendamente iluminadoras.
A realidade da vida humana sempre mescla o bem e o mal, o trigo e o joio, a boa e a má erva. Todos gostaríamos que as coisas fossem de outra maneira, mas em nosso interior sentimos cruamente o trigo e joio, quando gostaríamos ser um bom campo de trigo, antecipando um pão abundante.
A parábola do joio e do trigo revela a tendência humana em realizar os ideais deperfeição e distanciar-se cada vez mais de sua condição de criatura. O ideal de ser“puro” e “justo”, sem imperfeição ou fraqueza. Isso nos levaria ao rigorismo e à violência contra nossas próprias limitações.
Aquele que, a qualquer preço, deseja ser “perfeito”, em seu campo não irá crescer senão um trigo raquítico. Nas nossas raízes o joio está intimamente misturado com o trigo. Quando alguém não admite em si nenhuma falha, com suas paixões ele arranca também a própria vitalidade, com a fraqueza ele destrói também a própria força. Muitos perfeccionistas e idealistas se fixam de tal maneira sobre o joio em seu interior que só pensam em eliminar as falhas, de tal modo que a vida mesma fica prejudicada. De tão perfeitos, eles ficam sem força, sem paixão, sem coração.
Uma espiritualidade “perfeccionista” leva a um rigorismo moral, contra o qual parece dirigir-se a parábola deste domingo. Humanizar é reconciliar-se com a própriasombra.
Muitas vezes vivemos apenas um polo e recalcamos o outro. Enquanto este permanecer nas sombras terá um efeito destrutivo. Muitos ficam chocados quando, apesar de todo esforço para serem pessoas amáveis e gentis, descobrem em si lados insensíveis, antipáticos e ofensivos.
Outro aspecto que aparece na parábola é querer logo arrancar o joio. Não toleram que o bem e o mal estejam misturados. Esta tendência costuma desembocar na intolerância e no fanatismo.
Enquanto vivermos, o joio crescerá no campo do nosso interior. Conviver com isso nos faz mais humildes e nos protege de uma dureza falsa em relação a nós mesmos e aos outros.
Jesus não nos pede que sejamos só trigo – essa é a armadilha de toda espiritualidade farisaica - , mas que aceitemos nossa verdade completa e nos reconciliemos também com o “nosso lado obscuro”
Há muitas pessoas que, não só se sentem capacitadas senão que, além disso, estão empenhadas em arrancar o quanto antes o que elas pensam que é a erva má. São os intolerantes. Não respeitam o pluralismo, nem a diversidade. Exigem que todos lhes respeite, mas eles se consideram com direito a não respeitar o dissidente, o diferente ou simplesmente o outro.
O Senhor não tolera que ninguém se constitua em juiz e que, como consequência, vai pela vida arrancando tudo o que a ele lhe parece joio. Porque pode equivocar-se. A religião não tem nem autoridade nem competência para decidir o que é joio na sociedade. Somente o Senhor pode saber quem é trigo e quem é joio.
Sejamos tolerantes e respeitosos. Não julguemos, não condenemos e deixemos a Deus ser Deus. Nós não somos “deuses”.
O caminho do seguimento de Jesus não visa nos transformar em pessoas perfeitas e impecáveis. Antes, deseja encorajar-nos a conviver com nosso lado sombrio. O seguimento de Jesus, portanto, não é combate visando eliminar o joio, mas abrir espaço para que o Semeador atue com sua Graça.