Crônica: " A
política republicana" escrita por Lima Barreto:
Não gosto, nem trato de política. Não há assunto que mais me
repugne do que aquilo que se chama habitualmente política. Eu a encaro, como
todo o povo a vê, isto é, um ajuntamento de piratas mais ou menos diplomados
que exploram a desgraça e a miséria dos humildes.
Nunca quereria tratar de semelhante assunto, mas a minha
obrigação de escritor leva-me a dizer alguma coisa a respeito, a fim de que não
pareça que há medo em dar, sobre a questão, qualquer opinião.
No Império, apesar de tudo, ela tinha algumas grandeza e
beleza. As fórmulas eram mais ou menos respeitadas; os homens tinham elevação
moral e mesmo, em alguns, havia desinteresse.
Não é mentira isto, tanto assim, que muitos que passaram
pelas maiores posições morreram pobríssimos e a sua descendência só tem de
fortuna o nome que recebeu.
O que havia neles, não era a ambição de dinheiro. Era,
certamente, a de glória e de nome; e, por isso mesmo, pouco se incomodariam com
os proventos da "indústria política".
A República, porém, trazendo tona dos poderes públicos, a
bôrra do Brasil, transformou completamente os nossos costumes administrativos e
todos os "arrivistas" se fizeram políticos para enriquecer.
Já na Revolução Francesa a coisa foi a mesma. Fouché, que
era um pobretão, sem ofício nem benefício, atravessando todas as vicissitudes
da Grande Crise, acabou morrendo milionário.
Como ele, muitos outros que não cito aqui para não ser
fastidioso.
Até este ponto eu perdoo toda a espécie de revolucionários e
derrubadores de regimes; mas o que não acho razoável é que eles queiram modelar
todas as almas na forma das suas próprias.
A República no Brasil é o regime da corrupção. Todas as
opiniões devem, por esta ou aquela paga, ser estabelecidas pelos poderosos do dia.
Ninguém admite que se divirja deles e, para que não haja divergências, há a
"verba secreta", os reservados deste ou daquele Ministério e os
empreguinhos que os medíocres não sabem conquistar por si e com independência.
A vida, infelizmente, deve ser uma luta; e quem não sabe
lutar, não é homem.
A gente do Brasil, entretanto, pensa que a existência nossa
deve ser a submissão aos Acácios e Pachecos, para obter ajudas de custo e
sinecuras.
Vem disto a nossa esterilidade mental, a nossa falta de
originalidade intelectual, a pobreza da nossa paisagem moral e a desgraça que
se nota no geral da nossa população.
Ninguém quer discutir; ninguém quer agitar idéias; ninguém
quer dar a emoção íntima que tem da vida e das coisas. Todos querem
"comer".
"Comem" os juristas, "comem" os
filósofos, "comem" os médicos, "comem" os advogados,
"comem" os poetas, "comem" os romancistas,
"comem" os engenheiros, "comem" os jornalistas: o Brasil é
uma vasta "comilança".
Esse aspecto da nossa terra para quem analisa o seu estado
atual, com toda a independência de espírito, nasceu-lhe depois da República.
Foi o novo regime que lhe deu tão nojenta feição para os
seus homens públicos de todos as matizes.
Parecia que o Império reprimia tanta sordidez nas nossas
almas.
Ele tinha a virtude da modéstia e implantou em nós essa
mesma virtude; mas, proclamada que foi a República, ali, no Campo de Santana,
por três batalhões, o Brasil perdeu a vergonha e os seus filhos ficaram
capachos, para sugar os cofres públicos, desta ou daquela forma.
Não se admite mais independência de pensamento ou de
espírito. Quando não se consegue, por dinheiro, abafa-se.
É a política da corrupção, quando não é a do arrocho.
Viva a República!
A.B.C., 19 de outubro de 1918.