"Hoje, a suspeita não se estende apenas sobre quem deve
ocupar-se com a política, mas também sobre a ideia mesma de que a política deva
ser considerada entre as mais dignas e necessárias atividades humanas. Se antes
a idéia de participação e responsabilidade no âmbito das interações humanas e
do interesse comum indicava uma imensa restrição aos homens comuns, hoje o que
se generaliza, sobretudo nas sociedades mais ricas, a indiferença, o
desinteresse, e a descrença da política como lugar decisivo onde possa ganhar
forma o interesse possível de todos. Se é difícil descrever em detalhes as
decisões, acasos, escolhas e circunstâncias que se somaram para produzir nossa
presente situação, é fácil no entanto constatar que se esvaneceu a antiga
dignidade greco-romana atribuída à política como responsabilidade pelo bem
comum." (GARCIA, Claudio Boeira. Política & reflexão sobre a política. Ijuí:
Ed. Unijuí, 1997, p. 6).
“É preciso reafirmar com convicção de que a ‘política’ mais
que um ‘termo’ e/ou ‘objeto’ de reflexão, diz respeito à atividade e interesse
essencial à condição humana” (Garcia, 1997, p. 13).
[...] as teorias políticas clássicas, de Platão a Cícero, se
propõem como teorias da melhor constituição: não da que garante mais
eficazmente o exercício do poder, mas da que define as condições melhores para
a prática da justiça. Se, como ensina Aristóteles, o homem é vivente político
(Zôon politikón) porque é vivente racional (zôon logikón), a ciência política
tem como objeto definir a forma de racionalidade que vincula o livre agir do
cidadão à necessidade, intrínseca à própria liberdade e, portanto,
eminentemente ética, de conformar-se com a norma universal da justiça. A
racionalidade política na conceituação clássica é, pois, essencialmente
teleológica. Ela é ordenadora de uma prática em vista de um fim, que é a
justiça na cidade. [...] E se é verdade que Aristóteles introduz uma diferença
de natureza metodológica entre ciência teórica e ciência prática, a definição
da ciência prática fortalece o finalismo do Bem que unifica Ética e Política
segundo a mesma razão do melhor, ou seja, do que é mais justo para o indivíduo
e para cidade ( VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia II: ética e cultura.
São Paulo: Loyola, 1988,258-259).
[...] a idéia de vida política no Ocidente não pode
renunciar ao princípio fundamental da herança clássica: o poder só é político
na medida em que for legítimo, isto é, circunscrito e regido por leis. [...]
Por outro lado, a lei que legitima o poder deve ser uma lei justa, isto é,
garantidora e reguladora do direito do cidadão. [...] Eis a Ética introduzida
no coração da política e eis definidos os termos, aparentemente inconciliáveis,
cuja síntese passa desafiar o pensamento político moderno: como definir o
Estado do poder [...] como Estado de direito?( Vaz H., op cit, p. 260).