O princípio da confiança legítima
tutela a permanência de atos cujos efeitos, por terem delongas no tempo, provocaram nas partes uma
expectativa legítima de continuidade. É comum que uma parte realize um
planejamento em conformidade com o contratado, bem como em consonância com as
declarações e comportamentos adotados pelo outro envolvido na relação jurídica,
de tal forma que se acontecer alguma alteração inesperada ou prática de uma
ação contraditória pelo outro, deve o prejudicado ser reparado em consideração
à confiança por ele previamente depositada.
A tutela da confiança visualiza a
necessidade de se estabilizar as relações jurídicas existentes entre as partes
contratantes, dotando-as de previsibilidade, ingrediente indispensável à
constituição de uma ordem jurídica, pois possibilita o acolhimento das
expectativas legitimamente criadas.
Deter-nos-emos, assim, no
trabalho trazido à baila no princípio da confiança, gerador de legítima
expectativa. O contrato é permeado pela confiança. O princípio da confiança oferece um conteúdo
ao venire. Assim sendo analisaremos o
princípio da confiança como fundamento do venire
contra factum proprium no fenômeno obrigacional. Cônscios estamos que o
princípio da confiança oferece um conteúdo mais preciso ao venire. Existe, porquanto, uma subordinação fundamental e funcional
da proibição do comportamento contraditório ao princípio da confiança,
confiança e coerência.
Se, por um lado, defende-se a
flexibilidade, visto que a rigidez é cadavérica, por outro lado, pondera-se que
o ser humano é um ser ético, debruça-se sobre si mesmo, produz interdições e
busca a coerência. Se essa é buscada, a incoerência é reprovada, porquanto é
geradora de frustração na parte decepcionada pelo comportamento contraditório.
Se hoje é sim, amanhã é não, o que é afinal? É sim? É não? Em uma apertada
síntese, percebe-se a necessidade da coerência com o propósito de haver
segurança nas relações humanas.
A proibição do comportamento
contraditório visa a coibir comportamentos opostos que se repelem entre si. Um
é a negação do outro. Trata-se da análise de dois comportamentos, diferidos no
tempo, imputáveis a uma mesma pessoa. Em si mesmo cada comportamento é lícito.
A contradição evidencia-se quando se colocam os comportamentos um em relação ao
outro. O comportamento primevo (factum proprium) torna-se gerador de uma expectativa
de manutenção do comportamento O sucessivo comportamento será inicialmente coerente com o primeiro. Se o
contrário ocorrer verificar-se-á a contradição, rechaçada pelo princípio da
confiança, pela boa-fé objetiva.
A aplicação do princípio do venire contra factum proprium traz
segurança e credibilidade às relações sociais e jurídicas, onde os contratantes
mantêm um comportamento coerente e leal, como um princípio básico de
convivência social, evitando assim, causar prejuízos às expectativas despertadas
em outrem.
Contemplaremos a teoria dos atos
próprios Vale
ressaltar que a teoria dos atos próprios é gênero que como espécies podemos
indicar, entre outros institutos, o
venire contra factum proprium, a surrectio
e supressio. Assim sendo, essa teoria
desmembra-se em outros institutos. Todos esses institutos são axiologicamente
justificados pela função social e pela vedação do abuso de direitos.
Ainda que os seres humanos vivam
em dissenso, urge a consideração de uma espécie de código de ética mínimo, sem
o que a qualidade de ser humano se esvai. A solidariedade, a cooperação e o
respeito devem ser presentes. Não se deve subestimar a racionalidade do outro.
Em qualquer atividade humana
convém indagar: é ético efetivar tais práticas? A atividade humana precisa
orientar-se por critérios e referenciais éticos para estarem teleologicamente
voltada para o “bem” e não implodir a própria existência humana.
Indubitavelmente o bem primeiro do agir humano é o próprio ser humano.
-Edson Lira, advogado