Declaração de 1948 e a concepção contemporânea dos direitos humanos
A
Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada na Assembleia Geral das
Nações Unidas no dia 10 de dezembro de 1948, dia considerado como dia internacional
dos direitos humanos no calendário civil.
Tal Declaração, matriz do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
traz no seu bojo uma base axiológica a ser considerada por povos e nações. A
terra firme do continente axiológico da dignidade da pessoa humana e a negação
da sua descartabilidade, elementos não só pertinentes à Declaração mas sobretudo
relevantes.
Em 1948 é adotada a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, pela aprovação unânime de 48 Estados, com oito
abstenções. A inexistência de qualquer questionamento ou reserva feita pelos
Estados aos princípios da Declaração e a inexistência de qualquer contrário às
suas disposições, conferem à Declaração Universal o significado de um código e
plataforma comum de ação. A Declaração consolida a afirmação de um ética
universal, ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal, a serem seguidos
pelos Estados. (Piovesan, 2012, p. 43-44).
A
Declaração de 1948, no seu preâmbulo, afirma nitidamente que a Assembleia Geral
das Nações Unidas proclama os direitos fundamentais. Dallari, 2009, p. 212,
comenta:
É bem expressivo esse termo, pois torna
evidente que não há concessão ou reconhecimento dos direitos, mas proclamação
deles, significando que sua existência independe de qualquer vontade ou
formalidade.
[...]
Indo muito além da simples
preocupação com a conservação de direitos, a Declaração faz a enumeração dos
direitos fundamentais e, no artigo 22, proclama que todo ser humano tem direito
à segurança social e à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
O exame dos artigos da Declaração revela que ela consagrou três objetivos
fundamentais: a certeza dos direitos,
exigindo que haja uma fixação prévia e
clara dos direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dos
direitos ou sofrer imposições; a segurança
dos direitos, impondo uma série de normas tendentes a garantir que, em qualquer
circunstância, os direitos
fundamentais serão respeitados; a possibilidade
dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os meios necessários à fruição dos direitos,
não se permanecendo no formalismo cínico e mentiroso da afirmação de igualdade
de direitos onde grande parte do povo vive em condições subumanas.
Piovesan(
2012, p. 44) afirma que a concepção
contemporânea de direitos humanos tem o seu começo na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948. Salienta a autora que tal concepção é marcada pela
universalidade e indivisibilidade desses direitos. No tocante à indivisibilidade
apresenta ela a situação inédita: a conjugação do catálogo dos direitos civis e
políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, a
Declaração surpreendetemente aproxima o discurso liberal do discurso social da
cidadania. O valor da liberdade une-se ao valor da igualdade, arremata a
autora.
Nesse
mesmo sentido,
A Declaração de 1948 inovou, ainda,
ao introduzir elementos que passariam a caracterizar a concepção atual de
direitos humanos, como a universalidade, a indivisibilidade e a
interdependência [...]. Por agora importa salientar que a Declaração foi o
primeiro documento internacional a tratar dos direitos humanos, tanto civis e
políticos quanto econômicos, sociais e culturais, de maneira indivisìvel,ainda
que reconhecendo sua distinta natureza jurídica (Weiss, 2012, p.84).
Em suma, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui-se o lastro axiológico para
a visão da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.
Os direitos humanos
constituem uma unidade indivisível e interdependente
Insofismavelmente,
os direitos humanos não podem ser compreendidos só do ponto de vista das
liberdades individuais, os direitos individuais buscados e que se constituíram
a bandeira de luta das revoluções burguesas.
Há uma inviabilidade
nos direitos humanos, se houver divórcio entre direitos civis e políticos e
direitos sociais, econômicos.
Piovesan ( 2012, p. 208-2010) reafirma que com a visão
integral e não fragmentária, portanto, dos direitos humanos, visão essa ventilada
no texto da Declaração, chega-se à concepção contemporânea de direitos humanos.
Que visão é essa? Direitos humanos concebidos como uma unidade interdependente
e indivisível. Acolhe-se, nessa compreensão contemporânea, portanto, a ideia
daa expansão, acumulação e fortalecimento dos direitos humanos, todos são
essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação. Nessa nova
compreensão, os direitos humanos, unidade indivisível, resta sem sentido o direito à liberdade
quando não garantido o direito à igualdade ou esvazia-se o direito à igualdade
quando não assegurada a liberdade. Não só pode haver a abstenção estatal mas
também a sua atuação. Requer-se um governo ativo, interventor no sentido do
bem-estar econômico e social.
Impende
dizer que, segundo Piovesan, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais
e culturais, os direitos civis e políticos empobrecem e são reduzidos a mera
afirmação formal e real negação. Sem respeito à liberdade, os direitos direitos
econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação. Não se pode
mais pensar liberdade sem justiça social, como também pensar a justiça social
sem pensar na liberdade. Conclui Piovesan que todos os direitos humanos
constituem um complexo integral, único e indivisível. Tal compreensão vê os
direitos necessariamente inter-relacionados e interdependentes entre si.
Cabe realçar que, tanto os direitos
sociais, econômicos e culturais, como os direitos civis e políticos, demandam
do Estado prestações positivas e negativas, sendo equivocada e simplista a
visão de que os direitos sociais, econômicos e culturais só demandariam
prestações positivas, enquanto os direitos civis e políticos demandariam
prestações negativas, ou a mera abstenção estatal. A título de exemplo, cabe
indagar qual o custo do aparato de segurança, mediante o qual se asseguram
direitos civis clássicos, como os direitos à liberdade e à propriedade, ou
ainda qual o custo do aparato eleitoral, que viabiliza os direitos políticos,
ou do aparato de justiça, que garante o direito ao acesso ao Judiciário. Isto
é, os direitos civis e políticos não se restringem a demandar a mera omissão
estatal, já que a sua implementação requer políticas públicas direcionadas,que
contemplam também um custo (Piovesan, 2012, p. 244-245).
A Declaração de 1948 introduz a indivisibilidade dos direitos humanos, ao ineditamente conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Combina, assim, o discurso liberal e o discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade com o valor da igualdade.
A Declaração de 1948 introduz a indivisibilidade dos direitos humanos, ao ineditamente conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Combina, assim, o discurso liberal e o discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade com o valor da igualdade.
A visão compartimentalizada dos direitos humanos
é nociva e perigosa e ainda, não corresponde à verdade histórica. Os direitos
humanos são indivisíveis e interdependentes. Não se pode dizer que se tem
liberdade sem educação, sem saúde, sem, enfim, uma vida digna. Para um direito
ser efetivo demanda o atendimento de outros direitos.
Referências:
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos
da teoria geral do Estado.
28 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
WEISS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2012..