Com a sua vida e a sua morte, Jesus desce para abraçar todos os silêncios, mesmo aqueles abissais, mesmo aqueles mais distantes, e dessa forma redisse a vida como possibilidade de salvação.
Ele abraçou o silêncio dos nossos becos sem saída, daquilo que em nós, ou de nós, é omitido; o silêncio em que as nossas forças desmoronam e nos deixam à mercê do medo e da sombra que nos assediam; esse impreciso e íntimo silêncio que a nós parece, tantas vezes: o silêncio desta inquieta indefinição que somos nós, entre o já e o ainda não.
Ele abraçou este tempo amassado com derrotas e esperanças, este tempo que faz mal como o espinho que permanece depois que a rosa foi cortada, este nosso tempo caracterizado por tempestades que nos rugem furibundas e por naufrágios que nos acometem, prontos a fazerem-nos em pedaços.
Abraçou o silêncio da vida nua, vulnerável, indefesa ou ferida, a vida que nenhuma cidade acolhe, a vida bloqueada pelo arame farpado das fronteiras, impiedosamente votada ao descarte.
Ele abraçou o silêncio de todas as vítimas da história, o silêncio terrificante da injustiça, a lâmina cega da violência, o grito sem voz dos excluídos, o emudecimento dos pobres, o último olhar, imenso e silencioso, que os justos lançam sobre a Terra.
Na verdade, não há ninguém que Jesus não tenha abraçado. É esta a beleza deste silêncio tão grande.
D. José Tolentino Mendonça