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José de Anchieta

 Para admirar o seu gênio literário e a sua enorme Fé, veja-se o seguinte poema por ele dedicado ao «Santíssimo Sacramento»:
Oh que pão, oh que comida,
Oh que divino manjar
Se nos dá no santo altar
Cada dia.
Filho da Virgem Maria
Que Deus Padre cá mandou
E por nós na cruz passou
Crua morte.
E para que nos conforte
Se deixou no Sacramento
Para dar-nos com aumento
Sua graça.
Esta divina fogaça
É manjar de lutadores,
Galardão de vencedores
Esforçados.
Deleite de enamorados
Que com o gosto deste pão
Deixem a deleitação
Transitória.
Quem quiser haver vitória
Do falso contentamento,
Goste deste sacramento
Divinal.
Ele dá vida imortal,
Este mata toda fome,
Porque nele Deus e homem
Se contêm.
É fonte de todo bem
Da qual quem bem se embebeda
Não tenha medo de queda
Do pecado.
Oh! que divino bocado
Que tem todos os sabores,
Vinde, pobres pecadores,
A comer.
Não tendes de que temer
Senão de vossos pecados;
Se forem bem confessados,
Isso basta.
Que este manjar tudo gasta,
Porque é fogo gastador,
Que com seu divino ardor
Tudo abrasa.
É pão dos filhos de casa
Com que sempre se sustentam
E virtudes acrescentam
De continuo.
Todo al é desatino
Se não comer tal vianda,
Com que a alma sempre anda
Satisfeita.
Este manjar aproveita
Para vícios arrancar
E virtudes arraigar
Nas entranhas.
Suas graças são tamanhas,
Que se não podem contar,
Mas bem se podem gostar
De quem ama.
Sua graça se derrama
Nos devotos corações
E os enche de bênçãos
Copiosas.
Oh que entranhas piedosas
De vosso divino amor!
Ó meu Deus e meu Senhor
Humanado!
Quem vos fez tão namorado
De quem tanto vos ofende?!
Quem vos ata, quem vos prende
Com tais nós?!
Por caber dentro de nós
Vos fazeis tão pequenino
Sem o vosso ser divino,
Se mudar.
Para vosso amor plantar
Dentro em nosso coração
Achastes tal invenção
De manjar,
Em o qual nosso paladar
Acha gostos diferentes
Debaixo dos acidentes
Escondidos.
Uns são todos incendidos
Do fogo de vosso amor,
Outros cheios de temor
Filial,
Outros com o celestial
Lume deste sacramento
Alcançam conhecimento
De quem são,
Outros sentem compaixão
De seu Deus que tantas dores
Por nos dar estes sabores
Quis sofrer.
E desejam de morrer
Por amor de seu amado,
Vivendo sem ter cuidado
Desta vida.
Quem viu nunca tal comida
Que é o sumo de todo bem,
Ai de nós que nos detém
Que buscamos!
Como não nos enfrascamos
Nos deleites deste Pão
Com que o nosso coração
Tem fartura.
Se buscarmos formosura
Nele está toda metida,
Se queremos achar vida,
Esta é.
Aqui se refina a fé,
Pois debaixo do que vemos,
Estar Deus e homem cremos
Sem mudança.
Acrescenta-se a esperança,
Pois na terra nos é dado
Quanto lá nos céus guardado
Nos está.
A claridade que lá
Há de ser aperfeiçoada,
Deste pão é confirmada
Em pureza.
Dele nasce a fortaleza,
Ele dá perseverança,
Pão da bem-aventurança,
Pão de glória.
Deixado para memória
Da morte do Redentor,
Testemunho de Seu amor
Verdadeiro.
Oh mansíssimo Cordeiro,
Oh menino de Belém,
Oh Jesus todo meu Bem,
Meu Amor.
Meu Esposo, meu Senhor,
Meu amigo, meu irmão,
Centro do meu coração,
Deus e Pai.
Pois com entranhas de Mãe
Quereis de mim ser comido,
Roubai todo meu sentido
Para vós
Com o sangue que derramasses,
Com a vida que perdesses,
Com a morte que quisesses
Padecer.
Morra eu, por que viver
Vós possais dentro de mim;
Ganha-me, pois me perdi
Em amar-me.
Pois que para incorporar-me
E mudar-me em vós de todo,
Com um tão divino modo
Me mudais.
Quando na minha alma entrais
É dela fazeis sacrário,
De vós mesmo é relicário
Que vos guarda.
Enquanto a presença tarda
De vosso divino rosto,
O saboroso e doce gosto
Deste pão
Seja minha refeição
E todo o meu apetite,
Seja gracioso convite
De minha alma.
Ar fresco de minha calma,
Fogo de minha frieza,
Fonte viva de limpeza,
Doce beijo.
Mitigador do desejo
Com que a vós suspiro, e gemo,
Esperança do que temo
De perder.
Pois não vivo sem comer,
Como a vós, em vós vivendo,
Vivo em vós, a vós comendo,
Doce amor.
Comendo de tal penhor,
Nela tenha minha parte,
E depois de vós me farte
Com vos ver.
Amém.

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