O
«eis-me!» que muda a história
O
anjo Gabriel, o mesmo que «estava de pé à direita do altar do incenso», voou
para fora da incredulidade de Zacarias, para fora da imensa esplanada do
templo, para um indistinto casebre, um aposento de gente pobre (Lucas 1,26-38).
Extraordinária e surpreendente viagem: do sacerdote idoso para uma jovem, da
Cidade de Deus para um vilarejo sem história da mestiça Galileia, do sagrado
para o profano. O cristianismo não começa no templo, mas numa casa.
A
primeira palavra do anjo, o primeiro “Evangelho” que abre o Evangelho é:
alegra-te, rejubila, sê feliz. Abre-te à alegria, como uma porta se abre ao
sol: Deus está aqui, aperta-te num abraço, numa promessa de felicidade.
As
palavras que se seguem desvelam o porquê da alegria: és plena de graça. Maria
não é plena de graça porque respondeu “sim” a Deus, mas porque Deus, primeiro,
disse “sim” a ela, sem condições. E diz “sim” a cada um de nós, antes de
qualquer resposta nossa.
Que
eu seja amado depende de Deus, não depende de mim. Aquele seu nome,
“Amada-para-sempre”, é também o nosso nome: bons e menos bons, cada um amado
para sempre. Pequenos ou grandes, todos continuamente repletos de Céu.
O
Senhor é contigo. Quando, na Bíblia, Deus diz a alguém «Eu estou contigo», está
a entregar-lhe um futuro belíssimo e árduo (R. Virgili). Convoca-o a tornar-se
parceiro da história maior. Darás à luz um Menino, que será Filho da Terra e
filho do Céu, filho teu e filho do Altíssimo, e sentar-se-á no trono de David
para sempre.
A
primeira palavra de Maria não é o «sim” que esperaríamos, mas a suspensão de
uma pergunta: como acontecerá isto? Madura e inteligente, quer compreender por
que caminhos se colmatará a distância entre ela e o fresco que o anjo desenha,
com palavras nunca escutadas… Pôr perguntas a Deus não é falta de fé, antes é
querer crescer na consciencialização.
A
resposta do anjo tem os tons do livro do Êxodo, de uma nuvem ao mesmo tempo
obscura e luminosa, que cobre a tenda, enchendo-a de presença. Na voz do
mensageiro ressoa também a voz querida do livro da vida e dos afetos: é o sexto
mês da prima Isabel.
Maria
é tomada por aquele turbilhão de vida, é envolvida nela: eis a serva do Senhor.
Na Bíblia, a serva não é a empregada doméstica, a mulher-a-dias. A serva do rei
é a rainha, a segunda depois do rei: o teu projeto será o meu, a tua história a
minha história, Tu és o Deus da aliança, e eu tua aliada. Sou a serva, sou a
aliada do Senhor das alianças.
Como
o de Maria, também o nosso «eis-me!» pode mudar a história. Com o «sim» ou o
«não» ao projeto de Deus, todos podemos gravar nascimentos e alianças no
calendário da vida.