As paixões do coração humano, como as divide e numera Aristóteles, são onze;
mas todas elas se reduzem a duas capitais: amor e ódio.
E estes dois afetos cegos são os dois pólos em que se revolve o mundo, por isso tão mal governado.
Eles são os que pesam os merecimentos,
eles são os que qualificam as ações;
eles os que avaliam as prendas;
eles os que repartem as fortunas.
Eles são os que enfeitam ou descompõem,
eles os que fazem ou aniquilam;
eles os que pintam ou despintam os objetos, dando e tirando a seu arbítrio a cor, a figura, a medida, e ainda o mesmo ser ou substância, sem outra distinção ou juízo, que aborrecer ou amar.
Se os olhos vêem com amor, o corvo é branco;
se com ódio, o cisne é negro;
se com amor, o Demônio é formoso;
se com ódio, o anjo é feio;
se com amor, o pigmeu é gigante;
se com ódio, o gigante é pigmeu;
se com amor, o que não é, tem ser;
se com ódio, o que tem ser, e é bem que seja, não é, nem será jamais.
Pe António Vieira