Pular para o conteúdo principal

 SOBRE A BÍBLIA E UMA DECLARAÇÃO DE AMOR

(Rui Santiago Cssr)
«Foi com ela, a escritura, que descobri que as palavras são seres vivos. Foi ela que me ensinou o movimento das letras quando estão vivas. Tantas vezes lhe declararam a extinção, e ela prolifera sem controlo. “Nem Palavra de Deus nem um Deus de Palavra”, não se queria nada disso. A Palavra combatia-se com argumentos e Deus declarava-se morto, sem contemplações. E, depois, aquela parede fantástica: “Deus morreu. Assinado: Nietzsche”, acrescentada uns anos depois: “Nietzsche morreu. Assinado: Deus”.
Quisemos matar Deus para começarmos a endeusar outras coisas. Quisemos anular a Palavra, e deixamos de ser capazes de conversar profundamente, escutar, calar e esperar.
A escritura é uma bela adormecida. Desperta quando a beijamos. Só está morta para quem a não ama nem a deseja. Abre os olhos para nós ao primeiro toque dos lábios. A escritura é uma linda que aceitou acordar-me nos braços. Perdi-me nela e tenho dela para contar o que se diz dum grande amor. A escritura é dada a intimidades, gosta que a leia ao perto, que a interprete ao toque, que a escute com a ponta dos dedos. A Palavra de Deus tem a vibração de um corpo apaixonado. É preciso tocar, silenciosamente, guardar a mão pousada, no corpo todo em Verbo daquela Palavra, que vive e vibra. A leitura da bíblia é táctil, ou não será.
Ainda me lembro de ter ouvido pela primeira vez alguém dizer que era preciso fazer amor com a Palavra de Deus. Pensei que fosse poesia. Agora sei que é mais. Todo o amor é poético enquanto não nos acontece a sério. Contudo, depois, é amor mesmo. Com tudo. Assim foi comigo, e com este caso que tenho com a escritura. É um corpo que percorro com intimidade de amante, um corpo que conheço como uma peça de arte que ainda não terminei de contemplar, um corpo que tacteio como um mapa.
A bíblia não é a Palavra de Deus encadernada, porque a Palavra de Deus é toda forrada a pele. Toco-lhe as feridas no corpo de Job e quando suporto o Qohelet. Sinto-lhe o músculo e o sangue quando me deixo apanhar pelas palavras do Paulo ou de Ezequiel. Vejo-lhe o nervo e a veia saliente na palavra de Amós, de Tiago ou do Apocalipse. Encosto o rosto na ternura das cartas de João, e chego o ouvido ao segredo que a Carta aos Hebreus tem a contar. Pressinto a ossatura da coisa na boca cheia do Isaías, ou nas bocas em cheio de Daniel. Ponho-me ao espelho, inteiro, nos Salmos, nos Provérbios, na Sabedoria.
E Jesus. Verbo de tudo isto, tudo isto em Verbo.
Verbo de Deus: dito e feito!
Palavra em Carne Viva,
Verbo de Deus que vem conjugar-se connosco
em todos os tempos, pessoas e modos.
Ele é a Palavra a deitar Corpo,
essa Palavra-Pessoa que desde o princípio se insinua nas letras da escritura.
As palavras são um véu, uma insinuação, um convite.
As palavras são a pele, apenas, de um amor à flor da pele que quer meter-se connosco.
A Palavra tem um rosto. Está de caras.
E a Palavra está ali. Repousa na bíblia, inutensílio velho, escritura antiga, como aquela escritura da quinta com a casa velha dos tios-avós que já nem adianta guardar porque veio há muito uma estrada e a quinta não existe mais e da casa nem vestígio. Escritura caducada. Está ali, assim, a bíblia a dar os ares de finada que condizem com o naperon de renda. Está ali. Mas como bela adormecida, que desperta ao toque dos lábios. Esguia e linda, a saber mexer-se ao ritmo mais irresistível e insinuar-se da maneira mais indefensável. Ser vivo e vibrante que, ainda por cima, sabe as artes todas do amor.»

Postagens mais visitadas deste blog

ORAÇÃO PARA SER REZADA TODOS OS DIAS

 Ave Maria  de  Alta Graça         Ave Maria de Alta Graça, Luz Divina que o sol embaça, Ave Maria Paz e Minha Guia, me acompanhe neste dia Deus e a Virgem Maria, o mar se abrande, cessem os perigos, retrocedei todos os viventes que estiverem neste dia contra mim; Se tiverem pés não me alcancem, braços não me toquem, olhos não me enxerguem e língua não me falem; Faltem as forças a todos aqueles que me quiserem fazer o mal. Eu com o Manto de Nosso Senhor Jesus Cristo serei coberto, com seu sangue, serei baforado, não serei preso e nem amarrado; Viverei em paz e harmonia assim como viveu Nosso Senhor Jesus Cristo no ventre puríssimo de Sua Mãe Maria Santíssima.

A Cruz permanece firme, enquanto o mundo gira.

  "STAT CRUX DUM VOLVITUR ORBIS" A Cruz permanece firme, enquanto o mundo gira .  A Cruz permanece intacta enquanto o Mundo percorre a sua órbita. A cruz que está firme no mundo simboliza a firmeza na contínua agitação dos homens, das ideias, das coisas. A cruz erguida acima do redemoinho de coisas humanas que passam, dos prazeres humanos que são efêmeros, das vaidades humanas que perecem, a cruz erguida, alta, imóvel é carregada, apoiada, levantada não pelo mundo instável, mas por almas estáveis ​​em seus propósitos, consagradas à oração, devotadas ao sacrifício, chamadas a exaltá-la acima do mundo Abandonar as realidades fugazes e procurar capturar o eterno. O mundo gira, evolui e transforma-se, mas a cruz permanece sempre com o mesmo significado espiritual, o mesmo valor redentor e o mesmo poder de atracção. (…)” Cristo é imutável: Christus heri et hodie, Principium et Finis, Alpha et Omega, ipsius sunt tempora et saecula (Cristo ontem e hoje, princípio e fim,
  Cidade do Vaticano, 21 dez 2023 (Ecclesia) – O Papa destacou hoje a sobriedade e a alegria do presépio, a partir da iniciativa de São Francisco de Assis, alertando para que o risco de perder-se o que é importante na vida “e paradoxalmente aumenta perto do Natal”. “O presépio foi criado para nos trazer de volta ao que importa: a Deus que vem morar entre nós, mas também às outras relações essenciais, como a família, presente em Jesus, José e Maria, e os entes queridos, representados pelos pastores”, disse Francisco, na audiência pública semana, no Vaticano. “As pessoas antes das coisas, as pessoas assim como são”, acrescentou o Papa, indicando que as personagens do presépio “são simples, pobres, e estão em harmonia com a criação”, a paisagem ocupa o maior espaço e o boi e o burro nunca faltam”. “É bom ficar em frente do presépio para reorganizar a vida voltando ao essencial. É como entrar num oásis para escapar da agitação diária, para encontrar a paz na oração e no silêncio, numa tern