Uma
das séries de sátiras gravadas pelo pintor espanhol Goya tem por título “O Sono
da Razão Produz Monstros”. Goya pensava que muitas das loucuras da humanidade
resultavam do “sono da razão”. Há sempre pessoas prontas a dizer-nos o que
queremos, a explicar-nos como nos vão dar essas coisas e a mostrar-nos no que
devemos acreditar.
As
convicções são contagiosas, e é possível convencer as pessoas de praticamente
tudo. Geralmente, estamos dispostos a pensar que os nossos hábitos, as nossas
convicções, a nossa religião e os nossos políticos são melhores do que os
deles, ou que os nossos direitos dados por Deus anulam os direitos deles, ou
que os nossos interesses exigem ataques defensivos ou dissuasivos contra eles.
Em
última análise, trata-se de ideias que fazem as pessoas matarem-se umas às
outras. É por causa de ideias sobre o que os outros são, ou quem somos, ou o
que os nossos interesses ou direitos exigem que fazemos guerras ou oprimimos os
outros de consciência tranquila, ou até aceitamos por vezes ser oprimidos.
Quando estas convicções implicam o sono da razão, o despertar crítico é o
antídoto. A reflexão permite-nos recuar, ver que talvez a nossa perspectiva
sobre uma dada situação esteja distorcida ou seja cega, ou pelo menos ver se há
argumentos a favor dos nossos hábitos, ou se é tudo meramente subjetivo. Fazer
isto bem é pôr em prática mais alguma engenharia conceptual.
A
reflexão pode ser encarada como uma coisa perigosa, visto que não podemos saber
à partida onde nos conduzirá. Há sempre pensamentos que se opõem à reflexão. As
questões filosóficas fazem muitas pessoas sentirem-se desconfortáveis, ou mesmo
ultrajadas. Algumas têm medo que as suas ideias possam não resistir tão bem
como elas gostariam se começarem a pensar sobre elas. Outras podem querer
basear-se nas “políticas da identidade” ou, por outras palavras, no tipo de
identificação com uma tradição, grupo ou identidades nacionais ou étnicas
particulares que os convida a voltar as costas a estranhos que coloquem em
causa os hábitos do grupo. Essas pessoas irão minimizar a crítica: os seus
valores são “incomensuráveis” relativamente aos valores dos estranhos. Só os
irmãos e irmãs do seu círculo podem compreendê-las. Algumas pessoas gostam de
se refugiar num círculo espesso, confortável e tradicional de tradições
populares, sem se preocuparem muito com a sua estrutura, as suas origens, ou
mesmo com as críticas que possam merecer. A reflexão abre a avenida da crítica,
e as tradições populares podem não gostar da crítica. Neste sentido, as
ideologias tornam-se círculos fechados, prontas a sentirem-se ultrajadas pelo
espírito interrogante.
Nos
últimos 2 mil anos, a tradição filosófica tem sido a inimiga deste tipo de
complacência confortável. Tem insistido na ideia de que uma vida não examinada
não vale a pena ser vivida. Tem insistido no poder da reflexão racional para
descobrir o que há de errado nas nossas práticas, e para as substituir por
práticas melhores. Tem identificado a auto-reflexão crítica com a liberdade — e
a ideia é que só quando nos conseguimos ver a nós mesmos de forma adequada
podemos controlar a direção em que desejamos caminhar.
Simon
Blackburn, Pense